terça-feira, 27/02/2018
Nesta edição, a opinião de
André Teixeira, do Centro de Estudantes de Engenharia Informática da
Universidade do Minho (CeSIUM).
A
informática mudou o mundo. Ninguém colocaria objeções a esta afirmação, mas
poucos se apercebem de quão profundamente as tecnologias de computação a que
nos temos vindo a habituar modificaram os pilares da sociedade. As pessoas
relacionam-se de modo diferente, estando em constante estado de contacto e
proximidade. Conversas não mais têm de parar, apenas se pausando aquando da
troca de dispositivo. Locais de partilha e armazenamento de conhecimento são
cada vez mais digitais, sendo cada vez menos aqueles que frequentam bibliotecas
e investem em volumes físicos. Empregos intocáveis desabam sobre o peso imenso
da automatização, surgindo, no entanto, novas carreiras baseadas na exploração
das nossas crescentes necessidades de realização social. Trocamos perfis de
redes sociais em vez de números de telefone, investigamos a vida e relações de
quem nos interessar. Tomamos as nossas notícias de mil e uma fontes não
verificadas, em vez do jornal da freguesia. Falamos com as nossas cozinhas
enquanto estas fazem o jantar e vemos filmes recém-lançados no cinema sem sair
do sofá. Planeamos leis para automóveis que andam sozinhos e discutimos
impostos para robôs. Sim, o mundo mudou, e a mudança provocada pela informática
é entusiasmante e assustadora, como mudar sempre foi. Cabe aos informáticos
assegurar que com esta mudança de paradigma do funcionamento da sociedade não perdemos,
no entanto, coisas valiosas. Cabe aos informáticos responsabilizar-se pelo
sonho para o qual estudam e trabalham. Porém, nem sempre esta responsabilidade
é vista como consequência natural do seu trabalho.
Observo
muitas vezes um certo nível de desconexão entre aqueles que procuram ocupações
mais técnicas e aquilo que as suas criações influenciam. Muitos engenheiros,
não apenas informáticos, acreditam que por se ocuparem da máquina, do
desenvolvimento matemático e físico de
sistemas e soluções, não têm de se ocupar com o fator humano da utilização das
mesmas. Ora isto não pode ser. A noção de que o cientista e o artista, o
humanista e o engenheiro são obrigatoriamente seres diferentes é uma ideia
retrógrada a ser ativamente combatida. Nesta nova era da conexão entre tudo e
todos não nos podemos dar ao luxo de permitir estas diferenças. O informático
em particular encontra-se na posição única de ter de compreender na sua
totalidade o problema que deseja resolver através da sua intervenção,
permitindo que acumule conhecimento relativamente a inúmeras áreas que nada têm
a ver com a sua, o que é simultaneamente um fardo e um privilégio. A ideia de
que o matemático deve ser também filósofo vem já da antiguidade, mas foi
deixada para trás por muitos na procura de especialização aprofundada nas suas
áreas. Apesar de esta especialização ser valiosa até certo ponto não podemos
deixar que o homem seja transformado na máquina que tanto se esforçou por
criar, capaz de apenas pensar dentro de certos limites, de realizar um pequeno
conjunto de tarefas com um alto nível de eficiência, de apreciar apenas um
pequeno grupo de estímulos. Não. O engenheiro não é e não pode aspirar a ser um
autómato. Deve possuir vasto conhecimento sobre o seu campo e muitos outros,
deve interessar-se por cultura e literatura e música, deve ter intervenção
cívica e ideais políticos, deve existir para além da sua função imediata de
técnico. À medida que a tecnologia se entranha cada vez mais nas profundezas
das nossas comunidades, aqueles que a mantêm e expandem devem fazer o mesmo,
adotando o exemplo de grandes figuras da indústria e tomando o palco nos
grandes debates dos nossos tempos.
Há também
que enfrentar o problema das relações e comunicação entre pessoas, assim como o
do fascínio em excesso pela tecnologia. Os novos meios de comunicação
maravilharam o mundo com a sua acessibilidade e eliminaram a noção de distância
como impedimento ao contacto entre pessoas, e no entanto parecemos estar a
tomar parte destes meios para nos desligarmos uns dos outros, criando distância
mental onde antes existia distância física. As novas tecnologias de comunicação
não devem servir para dividir as pessoas, para espalhar desinformação, para nos
retirar a necessidade de sairmos e interagimos uns com os outros, mas para
unificar e abrir horizontes. A rede permite que o café de discussão de outrora
passe a ser aberto a todos, em todo o lado, abrindo novas e entusiasmantes
possibilidades para discutir e conversar e nos relacionarmos, mas não podemos
esquecer que esse mesmo café ainda existe e tem valor. O equilíbrio entre o
mundo virtual e o físico é necessário para que a nossa sociedade de moedas
minadas computacionalmente não expluda numa bolha que todos ajudamos a criar.
Tecnologia é uma ferramenta que o homem possui para melhorar a sua vivência e
solucionar problemas que o apoquentam, não um fim em si próprio. Falhar em
reconhecer os perigos do desenvolvimento tecnológico descontrolado e desregrado
é aceitar o eventual aparecimento de uma realidade semelhante aos grandes
épicos futuristas algo distópicos de Herbert e Asimov. Não estou com isto a
dizer para negarmos as tecnologias, até porque tal não seria nem possível nem
desejável, mas antes para as abraçarmos com a determinação necessária para
enfrentar os problemas que estas levantam. É urgente discutir e legislar, de
modo a prever impactos que revoluções em campos como transportes, energias e
medicina possam ter nas nossas vidas.
É
nesta posição que o informático de hoje se encontra, na posição de quem tem o
poder e o dever de ajudar a sociedade a melhorar-se através das maravilhas que
ajudou a criar. O homem sempre quis emular Deus, e hoje estamos mais próximos
do que nunca da nossa visão clássica da divindade, muito graças à engenharia.
Mas não podemos esquecer que mesmo os deuses erram, que a caixa de Pandora está
no canto da sala esperando ansiosamente por ser aberta, e que sem arte e poesia
mesmo a engenharia não serve de muito. Temos finalmente todas as ferramentas
para tornar o mundo um lugar de sonho, onde tempo e espaço são barreiras que
pertencem a um passado distante. Resta apenas ousar saltar, e meter mãos à
obra.
André
Teixeira – CeSIUM Centro de Estudantes de Engenharia Informática da
Universidade do Minho
"Estudante do quinto ano
do Mestrado Integrado em Engenharia Informática, é um escritor amador e leitor
profissional com um fascínio por café e por ideais de esquerda. É atualmente
Secretário do CeSIUM, onde procura oportunidades para espalhar cultura e
defender os direitos dos seus colegas estudantes."